Lia Wyler

Lia Wyler: A Magia por Trás da Tradução de Harry Potter

Lia Wyler, nascida em Ourinhos, São Paulo, em 6 de outubro de 1934, foi uma tradutora brasileira que deixou um legado inestimável no mundo literário. Faleceu em 11 de dezembro de 2018.

Com uma carreira que abrangeu a tradução de autores renomados como a escritora Margaret Atwood, conhecida pela série O Conto da Aia, e o mestre do horror Stephen King, mas foi em sua interpretação da série Harry Potter que Lia Wyler foi catapultada para a fama nacional.

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Entrevista com Lya Wyler

Entrevista Lia Wyler

Nesta entrevista, originalmente publicada em 23/05/2010 aqui no Sobre Livros, Lia Wyler nos oferece um vislumbre de sua mente criativa e do processo meticuloso por trás de suas traduções.

Contexto da Entrevista

Em 2010, a efervescência no mundo literário estava ligada à iminência do lançamento da primeira parte da adaptação do último livro da série do bruxo mais conhecido do mundo, Harry Potter e as Relíquias da Morte.

O filme “Harry Potter e As Relíquias da Morte – Parte I” estreou nos cinemas em 19 de novembro de 2010 e atraiu fãs ao redor de todo o planeta.

Entrevista Lia Wyler

Jean – Olá Lia. Primeiramente, em nome da equipe Sobre Livros agradeço sua atenção em nos ceder esta entrevista. Bom, hoje você é a tradutora mais reconhecida no Brasil e até no mundo, mas gostaríamos de saber, como tudo começou? Desde criança você já planejava seguir esta profissão? Se não, como você tomou esta decisão?

Lia Wyler: Quando criança, eu sonhava ser diplomata, mas até tomar a decisão de estudar para traduzir, “cometi” muitas traduções como todo iniciante. Só muito mais tarde, casada e com filhas, é que voltei à universidade e então resolvi me profissionalizar.

Jean – Sabemos que a vida de um tradutor no Brasil não era (e talvez ainda não seja totalmente) bem reconhecida no país. Quais foram os seus maiores desafios até hoje nessa carreira? Acredita que ainda nos dias de hoje a profissão de tradutor é considerada substituível pelas editoras?

Lia Wyler: Eu não diria reconhecida, mas conhecida. É crença geral que basta saber falar duas línguas para traduzir. No entanto, falar línguas a gente pode aprender até na Internet. Traduzir exige que se conheça o contexto interno e externo à tradução do país estrangeiro e do nosso país. O maior desafio da minha carreira foi esse: ter o meu valor reconhecido.

Jean – Ultimamente muitos livros infanto-juvenis são lançados no mercado, porém a literatura no nosso país ainda é um fator que deve ser melhor explorado em comparação com o exterior. Em sua opinião, o que pode ser feito para mudar isso?

Lia Wyler: Em setembro de 2009, fui convidada pela Unesco a participar de um encontro de tradutores da série Harry Potter e ouvindo os meus colegas do mundo inteiro percebi que tive o privilégio de traduzir um divisor de águas no mundo editorial. A partir do imenso sucesso da obra as grandes editoras internacionais ampliaram a linha de produtos voltados para os jovens leitores sem se fixar em faixas etárias.

As capas são mais criativas e atraentes e os temas mais variados que vão de feiticeiras, vampiros e fantasmas ao dia a dia familiar abordando problemas sociais, alcoolismo, depressão, distúrbios alimentares. Pessoalmente acho que a ficção é por definição irreal e o reino da ficção se situa alhures (uma palavra que não devia ter caído em desuso). As ilustrações se tornaram secundárias — o que é um ponto positivo, pois cada leitor é livre para imaginar cenários, personagens, enfim, o livro inteiro.

O Brasil tem seguido a essa tendência mundial, mas é preciso não esquecer que ainda não podemos igualar os números internacionais. Será que poderemos mudar isso? Será que estamos investindo em educação para aumentar o número de leitores?

Jean – Antigamente os tradutores viviam uma “vida invisível”, por assim dizer, não recebendo muitos créditos pelas traduções que faziam. Hoje, tudo isso mudou e boa parte foi devido a sua influência nessa área. Como se sente sabendo disso? Acredita que ainda há desafios a vencer?

Lia Wyler: Não acredito que a divulgação que recebeu a série Harry Potter, por ser a obra que é, se estenda a todos os tradutores brasileiros (em torno de 6-7 mil). Portanto há inúmeros desafios a vencer e as conquistas fáceis podem dar a impressão de que já ganhamos o nosso lugar ao sol, embora esse lugar ainda seja muito precário. Todo otimismo excessivo impede o progresso.

Jean – Na tradução de uma obra feita por outra pessoa, acredito que dependendo da forma da escrita feita pelo tradutor, pode acabar por tornar-se sem sentimentos ou artificial. Em sua opinião, qual seria o segredo para uma boa tradução, mantendo o padrão do escritor e ao mesmo tempo colocando sua personalidade na escrita?

Lia Wyler: Acho que reproduzir as imagens criadas pelo autor é um feito digno de valorização. O próprio Freud nos compara aos aedos, recriadores de obras pré-existentes. O gradual abandono da prática de traduzir cada obra por um único profissional e o uso de frases feitas repetitivas pode acabar com qualquer obra de criação literária.

Jean – Qual a tradução representou maior desafio até hoje em sua carreira? Por quê?

Lia Wyler: Fogueira das Vaidades de Tom Wolfe por exigir um enorme acervo de conhecimentos em várias áreas sócio-culturais do mundo contemporâneo.

Jean – Falando um pouco de Harry Potter, você criou vários termos divergentes dos livros originais de J. K. Rowling. Como teve está ideia? Ainda utiliza desse método nos dias de hoje?

Lia Wyler: Eu simplesmente traduzi os nomes criados por J.K.Rowling usando os mesmos recursos de linguagem que ela: prefixação, sufixação, composição ou mesmo invenção onde necessário, mas sempre respeitando a ideia original. Não é um método, é parte da tarefa de traduzir.

Jean – Como se sente sabendo que traduziu o que é hoje um dos maiores sucessos na história da literatura?

Lia Wyler: Uma tradutora de muita sorte que quando recebeu o primeiro livro não poderia imaginar o que viria depois. Quando a série fez dez anos descrevi as minhas emoções para a folha de São Paulo, artigo a que intitulei “Mergulhando na penseira”.

Jean – No seu histórico encontramos traduções de grandes autores, desde J. K. Rowling a Stephen King. Nesse caso, existe algum trabalho que considera como favorito?

Lia Wyler: Você citou dois gigantes da ficção pouco reconhecidos como literatos pela maioria dos críticos literários. Gosto muito de Tom Wolfe e o seu livro Fogueira das Vaidades é um dos meus favoritos.

Jean – Você costuma manter contato com os autores dos originais enquanto faz as traduções? Já se encontrou pessoalmente com algum deles?

Lia Wyler: Mantenho contato com alguns autores por e-mail. Pessoalmente tive ocasião de conhecer uma autora na feira literária de Paraty, mas acho que autores mundialmente badalados não são bons interlocutores.

Jean – No momento, está traduzindo a série As Aventuras do Caça-feitiço, pertencente também a literatura fantástica envolvendo magia e seres místicos. Está gostando de traduzir os livros de Joseph Delaney? Quais são as diferenças entre essa série e a saga Harry Potter?

Lia Wyler: São propostas diferentes e Joseph Delaney não está tentando igualar o sucesso de J. K. Rowling, cuja maior qualidade é a imaginação. Acho que sagas como a do Harry Potter acontecem uma vez no século. Joseph Delaney está caprichando mais a cada volume o que mantém o interesse da tradutora e imagino que o dos leitores.

Jean – É a favor deste tipo de comparações entre as sagas?

Lia Wyler: Pois é, pelo que disse antes, acho que não. Cada uma é uma, com aspectos positivos e negativos.

Jean – Pode nos falar um pouco de seus projetos recentes e futuros de tradução?

Lia Wyler: No começo deste ano terminei de traduzir Christine Falls, a primeira experiência de um grande escritor de literatura culta no gênero policial, sob o pseudônimo de Benjamin Black. Desde então estou trabalhando com a The Spook’s Battle. Quando terminar traduzirei mais dois: Things Go Flying para a Editora Arx e Caramelo e outro que ainda não sei o título para a Editora Fundamento. Mas tenho investido muito nas oficinas de tradução que preparo para grupos de 6 tradutores e desejo muito que a ideia vingue.

Jean – Em 2012 entrará em vigor a nova regra ortográfica, porém esta já está sendo utilizada nos dias de hoje em algumas editoras. Quanto isso afetou em seu trabalho? É a favor dessa nova regra?

Lia: Wyler A favor não sou, mas ninguém me consultou e, para falar a verdade, ninguém consultou o povo português tampouco. É dessas coisas feitas de cima para baixo que temos de acatar. Estou aplicando as regras novas, ainda aguardando um corretor ortográfico que dê conta das alterações.

Jean – Lia, como última pergunta, acredito que muitas pessoas (comigo incluso) viraram fãs de seu trabalho como tradutora. Como se sente sabendo disso? Gostaria de deixar um recado para seus fãs que estão lendo está entrevista agora no site?

Lia Wyler: Se isso é verdade, só posso agradecer e me alegrar por ter contribuído para tornar a leitura prazerosa para tantos leitores e para ampliar a compreensão do que é traduzir um livro.

Jean – Mais uma vez, em nome da equipe Sobre Livros eu lhe agradeço por ter concedido está entrevista e gostaria de lhe desejar tudo de bom em sua carreira.

Lia Wyler não foi apenas a voz brasileira de Harry Potter, mas uma tradutora que trouxe inúmeras obras estrangeiras para o público brasileiro. Sua habilidade em capturar a essência dos textos e adaptá-los para a cultura brasileira é um testemunho de sua genialidade e dedicação à arte da tradução.

Rafael Casanova

Fundador do site Sobre Livros =D

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